Lei do aborto. Como está essa discussão nos EUA e na América Latina
A lei do aborto nos Estados Unidos causou polêmica no mundo todo. Vem entender a situação do direito ao aborto nos EUA e na América do Sul
Em junho de 2022, uma decisão histórica nos Estados Unidos reverberou no mundo todo, sobre a lei do aborto. A Suprema Corte, o mais alto tribunal federal do país, derrubou a decisão que garantia o direito nacional ao aborto. Agora, cabe aos estados decidir se suas cidadãs e residentes poderão abortar por escolha própria.
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos foi considerada um retrocesso em regiões nas quais o aborto é um direito garantido, com na maioria dos países da Europa Ocidental. O presidente da França, Emmanuel Macron, lamentou a decisão no Twitter:
"O aborto é um direito fundamental para todas as mulheres. Ele deve ser protegido. Quero expressar minha solidariedade com as mulheres cujas liberdades estão sendo prejudicadas pela Suprema Corte dos Estados Unidos."
Na América Latina, a lei do aborto tem se tornado menos restritiva em alguns países, como o Chile e a Argentina. Outros, como o Brasil, só o autorizam em casos específicos: quando a gravidez coloca a vida da mulher em risco ou é fruto de uma violência sexual.
O aborto é uma questão delicada e de saúde pública. Para nós, mulheres, é importante estar por dentro do assunto, afinal, o que está sendo discutido é o controle sobre nossos próprios corpos.
Abaixo, explicamos o que rolou nos Estados Unidos e qual é a situação do aborto na América Latina:
O Caso Roe contra Wade
Quem acompanhou as notícias sobre o aborto nos EUA provavelmente ouviu falar do Caso Roe contra Wade. Ele ocorreu em 1973, quando Jane Roe morava no Texas, um estado no Sul, onde o aborto era ilegal.
Nos EUA, os estados são independentes e podem fazer suas próprias leis, apesar de também existirem leis federais, ou seja, que valem no país todo e estão acima das estaduais.
Jane Roe entrou com uma ação no tribunal federal contra o promotor Henry Wade, alegando que a lei do aborto no Texas era inconstitucional (violava a Constituição). E ganhou! O Supremo Tribunal entendeu que a 14ª Emenda da Constituição, que fala sobre o direito ao respeito à vida privada, era suficiente para garantir às mulheres o direito de tomar suas próprias decisões sobre interromper ou não uma gravidez.
Lei antiaborto nos EUA?
O que rolou nos Estados Unidos em junho de 2022 não foi uma lei antiaborto. Na verdade, a Suprema Corte só voltou atrás e derrubou a decisão de 1973 (isso mesmo, eles voltaram atrás quase 50 anos depois). Daí, o direito ao aborto não está mais garantido em todo o território nacional.
Desde então, os estados estão tomando as suas decisões. O jornal britânico The Guardian noticiou que o Tennessee, Texas e Idaho se uniram a oito outros estados e baniram o direito ao aborto.
Mas os defensores do aborto legal não estão calados diante das decisões que limitam o direito de escolha da mulher. Protestos continuam acontecendo por todo o país enquanto os estados definem se o direito de interromper a gravidez por livre e espontânea vontade deve estar garantido.
Aborto no Brasil e na América do Sul
Dos 13 países da América do Sul, seis proíbem o aborto – a não ser nos casos de violência sexual ou risco para a vida da mulher. São eles: Brasil, Bolívia, Paraguai, Venezuela, Peru e Equador.
Na Colômbia e no Chile, o aborto é descriminalizado, o que significa que não é legalizado, mas também não é considerado um crime.
Na Argentina, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa, o aborto é legalizado, então a prática é regulamentada pelo Estado, que estabelece um limite de semanas de gestação dentro do qual é permitido abortar. Os planos de saúde ou o sistema público são obrigados a prestar auxílio à mulher que deseja interromper a gravidez.
Por fim, no Suriname, o aborto é proibido em todos os casos.
Aborto, uma questão de saúde pública
Todo mundo tem direito a ter sua própria opinião sobre o aborto. Existem os pontos de vista religiosos, científicos, morais e assim por diante. E tá tudo certo, né? Discordar faz parte da vida.
Por outro lado, o aborto também é uma questão de saúde pública. Segundo a Universidade de São Paulo (USP), o Brasil é considerado um dos países com legislações mais restritivas em relação ao aborto. No entanto, o aborto induzido – ou seja, feito por escolha da mulher – acontece com bastante frequência. Pesquisas indicam que uma em cada cinco mulheres fará um aborto ao longo da vida.
Os métodos contraceptivos revolucionaram o controle da mulher sobre o próprio corpo, permitindo que a gente engravide quando quiser e se quiser. Mas nenhum deles é 100% eficaz. A realidade é que qualquer pessoa está sujeita a ficar grávida sem querer.
Em muitos casos, o bebê nasce em situações precárias, em famílias que não têm condições econômicas ou emocionais de ter um filho. Para evitar esse cenário, muitas mulheres recorrem ao aborto ilegal, que traz muitos riscos para a saúde e a vida, como explica um artigo publicado pelo Nexo Políticas Públicas em parceria com o Brazil Lab, da Universidade de Princeton (Estados Unidos).
Já o aborto legal, oferecido com apoio do Estado, é bastante seguro. O artigo do Nexo defende que legalizá-lo é forma de oferecer uma alternativa confiável para as mulheres que não podem, ou não querem, ter filhos em um determinado momento da vida. Isso evitaria cenários precários para a mãe, que muitas vezes precisa criar a criança sem a presença do pai ou longe das condições ideais para o desenvolvimento infantil.
Também seria uma alternativa para adolescentes que engravidaram sem querer e não podem ter seus filhos tão jovens – outra questão importante de saúde pública que já discutimos aqui.
É importante lembrar que a legalização do aborto não impede que cada uma continue respeitando as suas próprias crenças. O direito individual de não abortar continuaria garantido. Ela garante, apenas, que cada mulher possa fazer as suas próprias escolhas com segurança. Já pensou sobre isso?
Camila Luz
Jornalista formada pela Cásper Líbero, estudou Mídias Internacionais na Université Paris 8 e é mestre em Jornalismo e Direitos Humanos, com especialização em Diplomacia, pela Sciences Po Paris. Escreve sobre saúde, ciência e tecnologia desde 2016, com maior dedicação à saúde da mulher. Também é consultora em comunicação para organizações internacionais. Vive em Washington D.C. (EUA) e é fã assídua dos livros da Elena Ferrante.